A Coluna Prestes, que percorreu 12 Estados brasileiros ao longo de 25 mil quilômetros, foi a maior marcha militar da história, superando as marchas de Alexandre Magno e a Longa Marcha de Mao Tsé-Tung. Apesar dos limites políticos de seu programa, as façanhas da Coluna simbolizaram no imaginário popular importantes elementos da luta democrática, patriótica e anti-oligárquica. E não deixa de ser curioso constatar que, mesmo no âmbito das esquerdas, muitos daqueles que hoje reivindicam a importância de figuras como Bolívar, José Martí e San Martín, prefiram jogar água no moinho do ocultamento promovido pelas classes dominantes do Brasil quando se trata do legado da Coluna e de Luiz Carlos Prestes.
O estopim que impulsionou a marcha da Coluna decorreu da fermentação do movimento tenentista: jovens militares rebeldes que se revoltaram contra os desmandos da República Velha e do governo de Arthur Bernardes. No Rio Grande do Sul, o prestígio do capitão e engenheiro Luiz Carlos Prestes entre os soldados, contribuiu para a coesão do movimento que, em sua fase inicial, dispunha de cerca de 1,5 mil homens, somente a metade deles armados. Seus membros, tanto militares quanto civis, eram majoritariamente jovens, caboclos, sem terra ou pequenos camponeses.
De acordo com Anita Leocádia Prestes (2015, p. 51):
Levantaram-se apenas, ainda na noite de 28 de outubro [de 1924], o 1º BF de Santo Ângelo, sob o comando de Prestes e Portela e, na madrugada do dia 29, os regimentos de cavalaria das cidades de São Luís Gonzaga, São Borja e Uruguaiana. Dois dias depois, rebelou-se uma bateria do regimento de artilharia a cavalo de Alegrete. Mais tarde, um Batalhão de engenharia aquartelado em Cachoeira também se sublevou.
Nesse contexto, também se somaram à Coluna tropas de “maragatos” (civis), com lenço vermelho no pescoço, que trouxeram importante contribuição para o desenvolvimento da guerra de movimento, ou guerra de guerrilhas, tática inaugurada pela Coluna e que inspirou diversos movimentos populares e revolucionários ao longo do século XX. A fluidez tática que assombrou a rigidez da guerra de posição legalista, combinou conhecimentos guerrilheiros dos rebeldes maragatos. Tratava-se de um deslocamento rápido, mantendo contato com o inimigo para conhecer seus movimentos, dissuadindo e atacando com eficácia.
Para isso incorporaram métodos gaúchos como o dos fogões: grupos de cinco a oito combatentes com independência no preparo da sua alimentação, que posteriormente ganharam maior coesão, contando cada um com um dirigente subordinado diretamente ao comandante do seu esquadrão. E as potreadas, verdadeiros “olhos da Coluna”, consistiam em grupos de soldados que se desprendiam da tropa em busca de cavalos, gado para alimentação e informações valiosas para o comando da Coluna. Isso permitiu surpreender o inimigo e manter o senso de responsabilidade dos soldados (PRESTES, 2024).
Evidente que não havia soldo e nem qualquer tipo de vantagem para os participantes da Coluna, e a liderança de Luiz Carlos Prestes foi fundamental para instituir os princípios e a disciplina do movimento. A participação ativa de cada soldado era movida pela convicção de que lutavam para libertar o Brasil do governo despótico de Arthur Bernardes. O respeito e solidariedade para com o povo, com a punição de qualquer arbitrariedade, eram seguidos rigorosamente. Quando foi necessário requisitar dos populares algum artigo, um recibo assinado pelos comandantes da Coluna era entregue com a garantia de indenização após a vitória da revolução. E se criou um novo tipo de relação entre comandantes e soldados, sem qualquer tipo de privilégio para com os primeiros.
A Coluna Prestes se reúne com o comando das tropas paulistas em 12 de abril de 1925, e parte do Paraná revigorada pela incorporação dos revolucionários que haviam se levantado em São Paulo, em 5 de julho de 1924. Na prática os rebeldes paulistas se incorporaram na Coluna que há cinco meses era dirigida por Prestes, Siqueira Campos, João Alberto e Cordeiro de Farias. Mais adiante, nos primeiros dias de junho de 2025, o movimento se reestruturou em quatro destacamentos:
[…] o primeiro, sob o comando de Cordeiro de Farias; o segundo, de João Alberto; o terceiro, de Siqueira Campos; e o quarto, de Djalma Dutra. Todos incluíam gente do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Miguel Costa continuou no comando da 1ª Divisão Revolucionária, enquanto Prestes nomeado chefe do Estado-Maior, ficando Juarez Távora na condição de subchefe (PRESTES, 2015, p. 75)
Ao longo da epopeia o movimento realiza façanhas militares incríveis e travessias consideradas intransponíveis, como a do Rio Paraná. E passa a ser recebido com prestígio pelo povo por várias cidades onde passava, o que possibilitava uma disputa contra hegemônica, inclusive com a publicação, pelos meios possíveis, do jornal da Coluna, intitulado O Libertador. Mesmo não logrando incorporar camponeses e trabalhadores na marcha, a Coluna gozou de amplo apoio popular em cidades do sul ao norte do País.
Foi também marcante a presença feminina na marcha, primeiramente com cerca de 20 mulheres, número que posteriormente subiu para 50. Prestes num primeiro momento determinou que as mulheres não prosseguissem, determinação que não foi cumprida e, futuramente, ele reconheceu a importância da participação delas no movimento, inclusive empunhando o fuzil.
A Coluna, que percorreu os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Maranhão, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, não venceu, mas também nunca foi vencida. Os dezoito generais brasileiros, com apoio das polícias militares, que a enfrentaram, não conseguiram derrotá-la. E ao final da epopeia, os 600 combatentes que restaram na marcha se exilaram na Bolívia.
Foi somente neste exílio que Luiz Carlos Prestes teve pela primeira vez contato com o marxismo, o que lhe permitiu finalmente compreender as causas da condição de miséria do nosso povo e das profundas contradições sociais que vislumbrara com a marcha da Coluna. Daí que Florestan Fernandes viria a afirmar que o Cavaleiro da Esperança não avançou do comunismo à revolução, mas saltou da revolução ao comunismo.
REFERÊNCIAS
PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. São Paulo: Boitempo, 2024.
PRESTES, Anita Leocádia. Prestes: um comunista brasileiro. São Paulo: Boitempo, 2015.
FERNANDES, Florestan. Luiz Carlos Prestes: esperança e revolução. Disponível em: https://www.ilcp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=84:texto-de-florestan-fernandes-sobre-prestes&catid=28:sobre-prestes&Itemid=157
Davi Machado Perez – Professor do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto e militante da Iniciativa Comunista
Fonte: Vanguarda 26 – Revista Eletrônica da Organização Comunista Arma da Crítica no Brasil – ANO 4 • Nº 30 • Novembro / 2024