por Davi Machado Perez
O GOVERNO LULA III E O ORÇAMENTO PÚBLICO
Se consideramos o relatório final da Lei Orçamentária (LOA) de 2024 (PLN 29/23[1]), elaborado pelo deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), a previsão de despesas foi em torno de 5,5 trilhões, sendo que a maior parte deste montante continuaria (e continua) sendo destinada para o refinanciamento da dívida pública[2].
O Novo Arcabouço Fiscal regulamentado na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024 (LDO — Lei 14.791, de 2023[3]) é considerado mais flexível do que o teto de gastos em vigor até o governo do fascista Jair Bolsonaro. Mas a escolha dos gastos por parte do Governo Federal ainda se dá sob uma estreita margem de manobra. A meta de déficit zero imposta torna imperioso gastar menos e arrecadar mais, com uma tolerância de déficit, assegurada pela Lei Complementar 200, de 2023[4], de até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto). Meta que é considerada cumprida se ficar acima ou abaixo de zero em R$ 28,8 bilhões[5].
O relatório final da LOA previa R$ 53 bilhões a serem alocados por senadores e deputados por meio de emendas parlamentares, valor que aumentou cerca de 45% com relação ao ano passado[6]. Segundo a plataforma Siga Brasil, do Senado, o pico anterior havia sido em 2020, quando foram autorizados R$ 45,9 bilhões (corrigidos pela inflação) em emendas.
Após a LOA 2024 (Lei 14.822/24) ser sancionada pelo Governo Federal, no que se refere aos recursos destinados às emendas parlamentares, as emendas individuais obrigatórias (R$ 25 bilhões) e as emendas de bancadas (R$ 11,3 bilhões) permaneceram inalteradas em seus valores. Tendo sido vetado pelo Presidente apenas o montante de R$5,6 bilhões no orçamento das emendas parlamentares de comissão. Na versão aprovada pelo Congresso, essas emendas estipulavam R$ 16,7 bilhões, porém, com o veto, a previsão reduz-se para R$ 11,1 bilhões, ainda superando o valor do ano anterior (R$ 7,5 bilhões)[7].
Trata-se de uma usurpação do executivo. O Congresso Nacional retirou R$ 17 bilhões do Orçamento do governo para elevar o montante para emendas parlamentares, em geral destinadas para manutenção de suas bases eleitorais. Nas palavras do economista David Deccache em entrevista para o Brasil de Fato: “O limite de crescimento das despesas previsto no novo arcabouço é de 1,7%. Agora, o compromisso de déficit zero é muito pior. Não dá nem para recompor a inflação nas despesas”, acrescentando ainda que “Podemos ter fortes contingenciamentos no decorrer do ano em políticas como o novo PAC, bolsas em universidades e ainda tomaríamos punições em 2025 pelo descumprimento da meta”. As referidas punições incluem proibição de concursos públicos e limitação ainda maior de aumento de gastos federais[8].
Em termos gerais, de um orçamento total de 5,5 trilhões, 2,3 referem-se a gastos fiscais, 1,7 vão para o refinanciamento da dívida pública, 0,2 destinam-se a investimentos e 1,3 trilhões vão para a seguridade social. Trocando em miúdos, podemos citar, por exemplo, 218,3 bi para saúde, 112,5 para educação e 168 bilhões para o Bolsa Família[9]. Essas tendências reafirmam a continuidade de um gerenciamento do recurso público que prioriza os interesses do capital financeiro e mantém uma estreita margem para investimentos em políticas públicas, embora o Novo Arcabouço Fiscal traga uma tímida ampliação na flexibilidade para a destinação destes recursos.
A SITUAÇÃO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS
Em termos do orçamento total da educação, de fato houve um aumento em relação à LOA 2023 que destinou 99,9 bilhões para a pasta[10]. No entanto, a nota[11] divulgada pela Associação de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), demonstra que o projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2024 para as universidades federais já continha um orçamento menor, em valores nominais, do que o montante garantido em 2023, que foi de R$ 6.268.186.880,00.
Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes da Educação Superior – ANDES-SN, durante a elaboração do relatório da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização Orçamentária e discussão no Congresso Nacional, a redução se acentuou ainda mais. O texto trouxe o montante de R$ 5.957.807.724,00 para as universidades federais, ou seja, um valor R$ 310.379.156,00 menor do que o orçamento de 2023, e equivalente ao destinado às Instituições Federais de Ensino Superior – IFES em 2012.
O recurso destinado, por exemplo, à Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foi reduzido em R$ 40.261.753,00. A Andifes enfatiza a necessidade de acréscimo de, no mínimo, R$ 2,5 bilhões no orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para o funcionamento das universidades federais em 2024: “Esses recursos são imprescindíveis para custear, entre outras despesas, água, luz, limpeza e vigilância, e para garantir bolsas e auxílios aos estudantes”[12]. A recomposição de 250 milhões anunciada pelo Ministério da Educação[13] em março deste ano fica, portanto, muito abaixo do mínimo necessário para o pleno funcionamento das Universidades Federais.
Ora, se houve aumento no montante total do orçamento para educação, é de fato uma decisão política não priorizar o financiamento da Universidade Pública, mas essa decisão ou “vontade política” não se dá no abstrato, mas reflete a hegemonia e a pressão dos monopólios privados de educação e do capital financeiro sob as instituições e o Estado brasileiro. Basta considerar, por exemplo, o peso de instituições ligadas à burguesia monopolista brasileira sobre o próprio MEC[14], e o crescimento exponencial do Ensino Superior privado, que teve um acréscimo de 20,7% na matrícula de calouros entre o segundo semestre de 2023 e o início de 2024[15]. Essa correlação de forças não pode ser revertida por mera vontade ou habilidade gerencial, independente de quem ocupe o MEC ou o Governo Federal, pois o poder do grande capital está incrustado permanentemente no Estado brasileiro (o que não significa isentar de crítica os gestores de plantão). Somente a mobilização e a elevação do nível de organização e consciência em torno de um projeto capaz de fazer frente ao bloco de poder dominante poderá reverter de maneira duradoura a correlação de forças.
A força da mobilização de técnicos e docentes na construção da Greve da Educação Federal neste primeiro semestre de 2024, em aliança com o potencial combativo do movimento estudantil, pode permitir travar a luta “de dentro para fora e de fora para dentro” do espaço universitário, parafraseando Florestan Fernandes, forjando a unidade com os demais setores da classe trabalhadora e dos movimentos populares. As bandeiras reativas de reajuste salarial e de recomposição efetiva do orçamento das IFES podem se combinar com espaços de mobilização e debate que problematizem o direcionamento da produção de conhecimento, da pesquisa e da extensão, a democratização substantiva das instituições de ensino e a crítica à subordinação da ciência e da tecnologia aos interesses do grande capital e do imperialismo. Deste modo pautaremos a educação e a universidade popular nos termos reivindicados pelos Comunistas Alinhados às Posições Revolucionárias de Luiz Carlos Prestes desde os anos 1980.
Davi Machado Perez – Professor do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto e membro da diretoria da ADUFOP (seção sindical do ANDES-SN).
[1] https://www.congressonacional.leg.br/materias/pesquisa/-/materia/159659
[2] https://www.camara.leg.br/noticias/1028308-orcamento-de-2024-preve-despesas-de-r-55-trilhoes-a-maior-parte-para-refinanciar-a-divida-publica/
[3]https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14791.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.791%2C%20DE%2029%20DE%20DEZEMBRO%20DE%202023&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20diretrizes%20para,2024%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias
[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp200.htm
[5] https://www.poder360.com.br/economia/orcamento-de-2024-sera-de-r-55-trilhoes-e-tera-emendas-recorde/
[6] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/01/11/orcamento-para-2024-traz-desafios-para-o-poder-publico
[7] https://sismuc.org.br/2024/01/25/loa-2024-e-sancionada-pelo-governo-federal-confira-como-ficou-o-orcamento-deste-ano/
[8] https://www.brasildefato.com.br/2023/12/22/governo-tera-orcamento-2024-comprimido-por-deficit-zero-e-emendas-parlamentares
[9] https://www.poder360.com.br/economia/orcamento-de-2024-sera-de-r-55-trilhoes-e-tera-emendas-recorde/
[10] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/com-fim-do-teto-de-gasto-orcamento-da-educacao-cresce-8-e-da-saude-30-em-2024/
[11]https://saci2.ufop.br/data/pauta/32650_nota_pu_blica_da_andifes_sobre_o_orc_amento_das_universidades_federais_para_2024.pdf
[12] https://saci2.ufop.br/data/pauta/32650_nota_pu_blica_da_andifes_sobre_o_orc_amento_das_universidades_federais_para_2024.pdf
[13] https://www.ufba.br/ufba_em_pauta/mec-anuncia-recomposicao-de-r-250-milhoes-no-orcamento-das-universidades-federais-nota
[14] https://ricardoantunes.com.br/ligacao-entre-governo-lula-e-fundacao-lemann-gera-debate-sobre-conflito-de-interesses-na-educacao/
[15] https://www.extraclasse.org.br/educacao/2024/03/levantamento-registra-crescimento-de-matriculas-do-ensino-superior-privado/