O vídeo integral da reunião ministerial do governo Bolsonaro, de 5 de julho de 2022, abre a possibilidade de diversas análises. A primeira delas é que o segundo vídeo vazado de reunião ministerial que vem a público é tão explicativo quanto o primeiro, aquele de 22 de abril de 2020, quando Moro ainda esteve parte do tempo sentado à mesa, e onde Paulo Guedes disse que já tinha colocado uma granada no bolso dos servidores públicos. Aliás, outras tantas barbaridades ditas naquela reunião, como a “boiada” do Salles passando por cima da legislação ambiental, enquanto o mundo se preocupava com a pandemia. Se duas reuniões do governo Bolsonaro revelam tanto, qual será a dimensão daquilo que ainda está por ser revelado? Se falavam tantas barbaridades em reunião ministerial, o que falavam não falavam nas alcovas! Na última reunião vazada, Bolsonaro chega a pedir para o general Heleno parar de falar certo assunto ali para falar depois em separado. Tratava-se exatamente do uso da ABIN para infiltrar campanhas eleitorais, “dos dois lados”.
Mas isso são minúcias diante de outras questões, e já seria o suficiente para encher um pavilhão da papuda. O grave é que eles falam abertamente (pensando que nunca vazaria) em se antecipar à eleição, não esperar para depois da eleição. O desejo de muitos, e do próprio presidente, era não deixar que a eleição ocorresse. Já outros falavam em trabalhar pela vitória, garantir a vitória. O ministro da defesa queria ter ele próprio um sistema paralelo de apuração dos votos. Ou seja, o computador dele deveria ter os mesmos dados e as mesmas informações ao mesmo tempo que as teria o Tribunal Superior Eleitoral. Por uma razão simples: eles achavam e acham que o povo brasileiro deve desconfiar tanto do TSE quanto confiar neles próprios, aqueles indivíduos que se acotovelavam na reunião que confabulava um golpe.
Eles queriam o golpe antes da eleição, ou eles queriam dar um golpe na própria eleição. Este é o conteúdo do vídeo da reunião de 5 de julho de 2022. Não conseguiram fazer nenhuma das duas coisas, porque lhes faltou capacidade e coragem. Eles tinham a força, ou as forças, mas lhes faltou comando. Como assim lhes faltou comando, se os próprios comandantes “supremos” estavam ali? Estava ali o ministro da defesa e o presidente da República, e por certo os três comandantes das forças armadas e pelo menos a maioria (se não a totalidade) dos comandantes das polícias militares também estariam de acordo com o golpe, assim como a maioria dos efetivos e grande parte da população. E mesmo assim não conseguiram dar o golpe, porque lhes faltou comando!
Em 1964, as forças armadas brasileiras, organicamente ligadas aos monopólios e ao latifúndio, deram seu grito de “dependência ou morte” em relação ao imperialismo dos Estados Unidos. O medo do povo, reflexo do racismo aristocrático ainda vigente, prefere massacrar a própria classe trabalhadora para se aliar aos interesses dos monopólios imperialistas, interesses estes muito concretizados em explorar nossa classe trabalhadora e nossas riquezas naturais e levar todo o lucro e riqueza para os países centrais do sistema capitalista mundial.
Os oficiais das forças armadas e das polícias, assim como os dirigentes de todas as outras instituições do Estado brasileiro, com raras exceções, são parte orgânica da classe dominante. Têm a mesma educação, estudam nos mesmos colégios desde a primeira infância até o curso superior, frequentam os mesmos clubes e as mesmas festas desde a infância até a maioridade, crescem juntos em títulos, galões, postos de mando, gerências, direções das instituições e controles do sistema empresarial. E todos são formados ideologicamente a devotar a mais canina fidelidade ao imperialismo dos Estados Unidos. Os poucos que conseguem preservar a noção elementar de soberania nacional jamais chegam aos últimos postos de comando, e os que optam por se colocar ao lado da classe trabalhadora, passam a ser tratados como inimigos e são combatidos pela cúpula militar, como são os exemplos de Nelson Werneck Sodré, Gregório Bezerra, Carlos Lamarca, Luiz Carlos Prestes, para citar apenas os nomes mais conhecidos.
Todos os presentes na reunião ministerial de 5 de julho de 2022, que agora vazou, são adeptos ferrenhos dos golpistas de 1964, e dentre eles, os militares, eram jovens tenentes quando se insurgiam contra o fim da ditadura. Eram a juventude da então chamada “linha dura” que queria ditadura militar para sempre. Eles não entenderam no começo da década de 1980 e não entenderam 40 anos depois que a vontade deles, o falso patriotismo deles, faz parte da ideologia de subserviência da classe dominante brasileira em relação aos interesses dos monopólios imperialistas sediados nos Estados Unidos e na Europa, sobretudo no primeiro.
Os comandos que vieram de fora em 1964 e em 2016 não vieram em 2022-23. A própria classe dominante brasileira e instalada no Brasil, na conjuntura de 2021 a 2022, estava dividida entre manter apoio a Bolsonaro ou deixar voltar Lula da Silva. A conjuntura nos Estados Unidos não favorecia os golpistas em 2022-23 como favoreceu em 2016 e em 1964.
Para pensar um projeto futuro de sociedade, temos que ter claro que é hora de punir exemplarmente a malta que há décadas pensa que pode ser a última palavra sobre o futuro do nosso país. Eles sempre representaram o atraso, a subserviência, a morte da nossa soberania. Se não vão pagar pelos crimes cometidos entre as décadas de 1960 e 1980, se não vão pagar pela violência política que impediu nosso país de prosperar e se desenvolver de forma autônoma e soberana, se não vão pagar por terem imposto pela força a manutenção da estrutura de classes racista e misógina, que pelo menos paguem pelos crimes que cometeram nos últimos cinco anos. Afinal, por que a maioria do povo brasileiro deve preservar e financiar estas instituições com tal ideologia de subserviência em relação ao imperialismo e de violência contra o povo?
Que nós da classe trabalhadora e dos demais setores oprimidos da sociedade aprendamos que o futuro depende do nosso projeto político, e ele só pode existir se superarmos todas as ilusões com qualquer setor dos monopólios e, ao mesmo tempo, nos aferrarmos na certeza de que para garantir isso precisamos contar com nossas próprias forças, em todos os sentidos.
Fevereiro de 2024
Direção Nacional – Iniciativa Comunista